Foi um dos fundadores do PT em fevereiro de 1980 e o vice-presidente do partido entre 1991 e 1999. Foi senador pelo estado de São Paulo entre 2003 e 2010. De 2011 a 2012 foi Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, e, em 2012 tornou-se Ministro da Educação, devido à saída de Fernando Haddad para concorrer à Prefeitura de São Paulo.
Na noite, num banho frio
Um córrego de sombras, a luz
Uma tosse, um ruído, um arrepio
Brumas de madrugada que nos conduz
A vida um carbono no século vinte e um
O dia inteiro a correria
e... Na noite, num banho frio
Há tristeza, som, melancolia
O silêncio sem coração não faz tum-tum
No meio do sorriso a desalegria
No meio da vida a rotina, o rito
É o sarcasmo do cancro espírito
O santo que desatina: o grito!
Sem deus nem diabo, o que se faria?
E eles? Os homens, o que farão?
Na noite, num banho frio
Dentro da cabeça todo desenvolvimento
é fraco-raso-inútil envolvimento
Esguio e longânime o des-envolvimento
Na pressão da felicidade: o brio;
Ser infeliz é liberdade
Quando a fumaça é o sol da vaidade
*
É o escarro e o cuspe o marasmo
O tempo nos ensinando o bê-a-bá ou bê-o-bô
Uma temporada no inferno é pouco, Rimbaud
Comparada à vida na terra, quase pasmo
Ele berra! Ninguém morre sorrindo, então enterra!
Como se o cérebro fosse mais que um inseto
e a força do pensamento a palavra que falta
para Clarice Lispector,
Morrer é mais que ser um nauta
no silêncio e no deserto
Como se a lua fosse amiga da estrela
como se pudesse ela sê-la
A distância é o único ponto certo.
Ninguém morre feliz e com equilíbrio,
Então enterra!
Isso é uma temporada na Terra!
*
(Por Marcos P. S. Caetano)
1° parte 16 de Outubro de 2008 às 3h36, e 2° 16 de Outubro de 2008 às 3h56
Imagem: Poeta Arthur Rimbaud aos 17 anos, retratado por [Étienne Carjat]], provavelmente em dezembro de 1871.
Palavra da Vez:
inferno |é| (latim infernum, -i)
s. m.
1. [Mitologia] Habitação das almas dos mortos.
2. [Religião] Lugar destinado ao castigo eterno da alma dos pecadores, por oposição ao céu. (Geralmente com inicial maiúscula.)
3. Lugar dos demónios.
4. Conjunto dos demónios.
5. [Figurado] Vida atribulada ou de sofrimento.
6. Coisa desagradável.
7. Desassossego, sofrimento.
8. Grande confusão ou gritaria. = INFERNEIRA
9. Refeitório de certas ordens religiosas (onde os frades comiam carne).
10. Reservatório para onde escorrem os resíduos do fabrico do azeite.
O celular
descarregou. Só teve carga suficiente para me acordar, era o único despertador.
Por isso não o levei. Dei bom dia para o dia, essas coisas que se fazem pela
manhã. Coloquei a calça e a blusa manga longa preta, e caminhei por setembro. Fui
pra Pasárgada, Bandeira dominical.
Segui com New Year’s Day no repeat do meu MP4, e ainda lembrei que já havia MP não sei das
quantas, precisava fazer um download
do século vinte e um.
Não pensei
sobre o sol, nem sobre as pessoas que passavam por ali, pensava apenas em minha
Pasárgada. Quando entrei na floresta. Era a famosa Rua Amazonas. Ainda na
descida, não me esqueço, das casas de famílias, das pessoas que viandavam por
ali, da mãe grávida e com uma criança de colo que passou por mim. Ainda avistei
o bar do pai de um amigo de infância de meu tio, e lá ele estava com muita
gente e com seu bar. E foi debaixo de uma casa com uma árvore que botou seus
galhos pra fora do muro só pra assistir:
Vinham os
três de bicicleta e o MP4 cantava “I will
begin again... I will begin again[1]”,
era uma bela voz, como diria meu querido latim.
Vi mas não
olhei. Os três tinham aquele jeitinho brasileiro. E estavam de bicicletas.
“Passa o celular” “não tenho nada” “Dá logo um tiro
nele”, disse o outro. “Bóra,
passa o celular” “tem medo de levar um tiro não?” E depois que percebeu que
eu estava sem nada, pegou o MP4 que foi embora cantando “and gold is the reason for the wars we wage”.
Tinham
rostos jovens, os três. Não consegui falar nada, mas eu quis. Quis dizer “Pô, cara vai estudar! Pra quê fazer isso?”
sim, eu quis dizer “é isso que vocês
querem da vida? Atira! Vai, atira! Mata, e aí? Mata um cara hoje e leva um tiro
amanhã. É preso, E aí? A mãe e o pai de vocês gostam disso? O que eles pensam
sobre isso? Vão arruinar a vida de vocês aqui? Vai! Atira! E sai na porra dessa
bicicleta! Atira! Eu estudo. O que vocês deveriam fazer! Não tô por aí roubando,
mesmo sendo pobre. Vocês podiam usar essas bicicletas pra esporte e não pra
isso. Atira!” sim, como eu quis dizer “E
depois? Quando quiserem ter uma vida bacana? E aí? Vão dormir todos os dias com
o peso de tanta morte na cabeça. E aí? Atira! O que as futuras namoradas de
vocês vão pensar? É isso que vão ensinar pros seus filhos? Vai, atira!” eu
não disse. Meu silêncio era o conformismo de todo um povo. E o povo da rua
apenas olhou, e é óbvio que ficou comentando o resto do dia sobre o perigo que
tá a rua, plenas dez horas da manhã.
Eles foram
embora e não atiraram. Eu que atirei neles. O meu silêncio pode ter sido um
gatilho apertado duma pistola qualquer que vai estourar os miolos de algum
deles. Não disse tudo que queria... A única coisa que consegui dizer um deles
escutou, os outros saíram rápido “cara,
vai estudar”, e esse que escutou, abaixou a cabeça e seguiu, pude ver a
tristeza como Bandeira de sua cara. Ele não iria pra Pasárgada, foi com os
outros dois pela Rua Papi Júnior.
Eu segui
meu caminho. Não tinha mais minhas músicas. O MP4 era uma placa de som na minha
CPU, foi embora e não era onboard,
mas há ainda som na minha cabeça, esse era onboard.
E eu segui ouvindo a música que estava depois de New Year’s Day na lista, era Pride
e não parava “In the name of Love... What
more in the name of Love?”.
In the name
of Love… What more in the name of love?[3]
Ainda olhei pra trás, no momento em que virei para
outra rua, e vi aqueles galhos-platéia. Lembrei que estava saindo da floresta,
realmente uma selva. Já diria Zaratustra que é certo que sou uma selva e uma
noite de escuras árvores... E eu não vi as sendas de rosas sob os ciprestes.
Aquilo lhe era
estranho, não entendera. A fala daquele povo lhe fazia se sentir um bebê, ouvindo
os pais pela primeira vez.
- Μήπως
χρειάζεστε βοήθεια;
Em um passe de
tédio e descontentamento, Daniel dormira em solo brasileiro e acordara em solo
grego. As placas, os olhares, as roupas, os movimentos das pessoas. Era tudo um
novo mundo. Alguns se aproximavam com seus olhos e bocas gentis, mas de fala
ininteligível, não sabia o que era amigo ou não. Sentiu-se além de um bebê, um
animal acuado, arisco. Aos poucos foi percebendo que ele era como todas as
pessoas dali, de carne e osso. Bem mais carne e osso que as pessoas próximas
dele no Brasil, pensara Daniel.
All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm
- Βραζιλίας; Do you speak english?
- It’s okay. Thanks.
Aqui elas
falavam mais com ele, ou, ao menos, ele conseguia percebê-las melhor. Seus sons
eram mais reais. Seus rostos eram mais reais. Seus significados eram mais
reais. Mesmo assim, a Grécia lhe parecera muito mais psicodélica. E a
realidade, não é psicodélica?
Vows are spoken
To be broken
Feelings are intense
Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are
meaningless
And
forgettable
A sua não
parecia. Era morna, poucos diálogos, pouco contato, muita distancia entre um
arrastar de sapatos castanhos, ou um arrastar de olhares castanhos nas ruas.
Castanho...
A moça que o
abordou e falou alguma coisa, logo se resignou com o sorriso sem jeito de
Daniel, mas, os cabelos dela eram castanhos.
Essa era a
única coisa que ele conseguia lembrar-se da santa: os cabelos castanhos. Talvez
apenas a sua fixação. O rosto já não se formara em sua mente, seus olhos, o
nariz, nem os detalhes, menos ainda os movimentos. Tudo que ele amava nela, de
tudo, só lhe restaram os desgostos castanheiros. A imagem se quebrara, apenas
uma vaga lembrança castanha. Onde é que o amor acaba? Daniel não sabia, não
entendia suas dúvidas castanheiras. Onde o amor acaba?! O amor acaba quando a
gente começa a ver mais o lado negativo ao lado positivo da pessoa, pensara
Daniel. Ele não via mais a beleza, não recordava mais dos pés pisando em memórias
bonitas, era tudo um lodaçal, mas, ainda assim, um lodaçal castanho. Mesmo
assim, será só isso? A imagem, esse bloco de significado que construímos uns
dos outros, onde é que nós o sepultamos? Quando é que ele quebra? Será que
conseguimos ter das pessoas mais que apenas vagas imagens na nossa cabeça? Para
Daniel, o amor era como aquela Grécia, tudo muito psicodélico, principalmente
quando acaba.
E quando
acaba, Daniel ainda ouve:
- It is night now awaken all
corners of the lovers. And my soul
is
also a corner of her lover.
Era um rapaz
que lia um trecho de um livro para uma moça que estava com ele. Era do
Zaratustra de Nietzsche, reconhecera Daniel. Prostrou-se naquela profunda
reflexão, sabendo, que ele também era uma fonte de uma canção noturna.
All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only
do harm
Enjoy the
silence
Contudo, não
houvera canção alguma para a recepção de Daniel, apenas o seu mais novo maior
companheiro dos próximos tempos: o silêncio. Ou, talvez Daniel não tenha ouvido
uma brasileira que escutava Enjoy the Silence em seu Ipod, ao som de Keane, bem ali, ao seu
lado.
- Olá? – disse
um senhor de roupas brancas, barba e cabelos longos, além de cinzas. Mas, o que lhe
chamava atenção eram as omoplatas, pois eram enormes. As omoplatas.
- Oi? – disse Daniel,
assustado.
- É o amigo de
Berilo, não? Daniel, é esse seu nome?
- Sim, não
sabia que seria reconhecido logo... Qual seu nome?
- Deixemos
essas perguntas para nossa próxima conversa. Vamos, ele lhe espera.
Estáticos nós estávamos, eu e
ele. Eu tinha a capacidade de pensar, mas ele era mais profundo e imponente do
que eu. Eu movia os dedos, ele no ar brincava feito vento, contudo, eu o
segurava como quem segura um punhado de inseguranças...
Oh no, I see,
The spider web is tangled up with me
And I lost my head
The thought of all the stupid things I'd said
O poema se jogava sobre mim,
sobre minhas dores, sobre as minhas certezas, sobre meus juízos, sobre os
juízos que me sopesavam.O poema se derramava na navalha dos meus verbos e me sangrava a
palavra, o poema, por fim, abaulava-se nas minhas entranhas sem mesmo as
conhecer...
Oh no, what's this?
The spider web, and I'm caught in the middle
So I turn to run
And thought of all the stupid things I'd done
Estávamos ali, eu e o poema de
André Berilo, um segundo poema em minhas mãos. Mais mágico que o chegar ao
poema foi o tocá-lo. Aquelas quadras que perambulei nem lembro, apenas quando
cheguei a minha rua:
- Um homem apareceu em sua casa,
vizinho. Deixou cair isso de seu bolso, tentei chama-lo, mas ele não ouviu.
Aguardei para entrega-lo, senhor Daniel.
- Obrigado, muito obrigado.
Achei estranho, nunca falava com
vizinhos, mas a minha cabeça, ainda submersa na situação daquela mulher que eu
já esquecera o nome, e também não a denominava de santa, pois já havia perdido
a sua identidade, a minha cabeça não estava para prestar atenção se eu falava ou
não com vizinhos... Trouble...
Era a passagem para Atenas...
Dentro de dois dias estava programado para que eu embarcasse. Não sei como ele
fez, mas estava em meu nome, talvez tenha sido toda essa confusão, esses dias
não consegui me concentrar em mim mesmo. Não recordo se o enviei os dados ou
não, o fato é que aquela passagem era viva e próxima ao poema. O poema parecia capa
de um livro e a passagem introdução...
And I never meant to cause you trouble
I never meant to do you wrong
And ah, well if I ever caused you trouble
Oh, no I never meant to do you harm
Estava cansado das minhas dores,
da minha melancolia, do meu escuro, mas ao mesmo tempo estava viciado, queria
entender sobre isso... Eu amava? Isso era amor? O que é o amor? Quais são seus
objetos? Após o que ela me disse fiquei a pensar... Um nó se formou em minha
cabeça... Daniel, que Deus te guie, era apenas o que eu clamava.
Oh no, I see
The spider web, and it's me in the middle
So I twist and turn
But here am I in my little bubble
Antes de dormir aceitei, aceitei
tudo o que tinha de aceitar, o que era aceitável. Desliguei o som com o
Coldplay arquejando Trouble:
They spun a web for me
They spun a web for me
They spun a web for me
Eu sentia que estava numa teia,
além da bolha. Larguei o poema, segurei as dúvidas e demorei o sono...